Existe em minha árvore familiar, no lado materno, um enigma ainda por resolver: meu bisavô chamava-se Arthur e era filho natural de Julinda Dias Seabra (1843-1884). Até este ponto, eu estava conformado, pois isso significava que Julinda não era casada com o pai de Arthur quando ele nasceu. Essa informação é encontrada no assento de casamento de Arthur com minha bisavó Algemira, como se vê abaixo.
Aqui a transcrição:
Aos 24 dias do mês de fevereiro de 1894, nesta paroquial igreja de Santo Antônio de Jacutinga, na minha presença compareceram os nubentes Arthur Rabello Guimarães e Algemira Pereira da Silva para se receberem por marido e mulher; ele solteiro, da idade de 25 anos, filho natural de Jolinda Dias Seabra, falecida, natural e [moradora] nesta mesma freguesia; ela, também solteira, da idade de 20 anos, filha natural de Maria Pereira do Céu, falecida, moradora e natural desta mesma freguesia; os quais uni em matrimônio segundo o rito da santa madre igreja católica, apostólica, romana. Foram testemunhas o capitão Augusto [Monteiro Diniz] e tenente [Américo Alves] Diniz. Para constar fiz este termo que firmo. Era ut supra.
Arthur teria nascido em 1868, pois seu assento de óbito informa que ele faleceu com 49 anos em 1917, como se vê abaixo:
Aqui a transcrição:
Aos oito dias do mês de janeiro de 1917, nesta cidade de Nova Iguaçu, primeiro distrito do município de Iguaçu, Estado do Rio de Janeiro, em meu cartório compareceu Júlio José Soares e declarou que no lugar de [], faleceu de tuberculose Arthur Rabello Guimarães, brasileiro, de cor [branca], com 49 anos
A curiosidade, no entanto, era o sobrenome composto de meu bisavô: Rabello Guimarães. Havia em Nova Iguaçu uma família Rabello Guimarães quando meu bisavô nasceu, o que poderia significar seu pai era um dos varões Rabello Guimarães já casado ou ainda solteiro que, porém, nunca se casou com a mãe de Arthur.
Na tentativa de descobrir mais sobre os Rabello Guimarães e encontrar um provável pai para Arthur, recorri à Hemeroteca Digital, na qual encontrei, na edição do Jornal do Commercio de domingo, 2/09/1877, o aviso de testamento que transcrevo abaixo com meus destaques.
Testamento. – Falleceu em Portugal no 29 de julho ultimo, José Rabello Guimarães, nascido e batizado na freguesia de Queimadella, concelho de Fafe, arcebispado de Braga, filho de Domingos Rebello e D. Maria Gonçalves Moreira. Era solteiro e não tinha filhos. Nomeou testamenteiros: 1º seu tio o padre Antonio Joaquim Rabello, 2º seu tio Serafim Rabello Guimarães e 3º seu socio e irmão Antonio Rabello Guimarães. Declarou ser estabelecido de sociedade com seu irmão Antonio Rabello Guimarães, em negócio de seccos e molhados, fazendas e ferragens, etc, no lugar do Madureira, freguezia de Santo Antonio de Jacotinga, município de Iguassú, sob a firma de Rabello Guimarães & Irmão, constando da respectiva escrituração o que lhe pertence. Seu enterro será feito à vontade de seu testamenteiro, que mandará celebrar 10 missas por alma de seus pais, 10 pela de todos os seus parentes fallecidos e uma de corpo presente. Deixou a seu afilhado José, filho de Aureliano Joaquim Antonio e D. Claudina Rosa, 50$; a seu afilhado José, filho de Luiz José Moreira Guimarães, 50$. Estes legatários residem em Iguassú e receberão as ditas quantias livres de impostos, devendo ser depositadas na caixa econômica até sua maioridade. Instituiu únicos herdeiros dos remanescentes de seus bens seus irmãos Antonio Rabello Guimarães, residente em Iguassú, Francisco, Albina, Rosa e Serafim, em Portugal. Marcou o prazo de um ano para conclusão deste testamento, feito por Joaquim Marcos Mecena, em março de 1876, aprovado pelo tabelião Pedro José de Castro e aberto pelo Dr. juiz da provedoria.
O texto encontrado poupou muitas horas de busca por assentos paroquiais e ainda me forneceu informações para começar a construir a árvore dessa família em seus ramos português e brasileiro. A partir dessas informações, fui à busca dos assentos portugueses na localidade informada: a paróquia de Queimadella, no concelho de Fafe, em Braga. Mais importante, o texto informava que José Rabello Guimarães, o falecido, era solteiro e não teve filhos, o que o eliminaria como candidato a pai de meu bisavô.
Em seguida, localizei também na Hemeroteca o anúncio de missa de sétimo dia – exibido abaixo – de Antônio Rabello Guimarães (1846-1888) que vivia no Brasil. Assim descobri sua data de óbito e o nome de sua esposa. Antônio teria falecido cinco anos depois de seu casamento com Isabel Gomes Monte em maio de 1883, segundo concluí após localizar o assento matrimonial do casal na localidade de Nova Iguaçu. Antônio seria um possível candidato a pai de meu bisavô e teria 21 anos à época de seu nascimento.
Recorrendo ao Arquivo Distrital de Braga, encontrei alguns registros de passaporte associados a essa família. Por meio deles pude constatar que Serafim Rebello Guimarães (1856-ca.1889) teve um filho chamado Joaquim (1884-) que viajou com ele de Portugal para o Brasil. Tanto Serafim quanto seu filho Joaquim seriam candidatos por demais jovens para assumir a paternidade de Arthur, portanto poderiam ser descartados.
O último varão Rabello Guimarães restante – até o momento – era Francisco (1850-1936), que vivia em Portugal, segundo informação constante no testamento citado anteriormente. Embora tivesse idade suficiente para ser pai de Arthur – 17 anos em 1867 – os registros relacionados a meu bisavô e sua mãe informam que eram naturais do Brasil.
Dois outros Rabello Guimarães são citados no testamento de José: seus tios Serafim e padre Antônio Joaquim, que foi pároco no Brasil. Não creio que possamos descartar o padre e, ao menos por enquanto, não há registro da vinda do tio Serafim ao Brasil, embora ele pudesse ser um candidato a pai de Arthur.
Para concluir, chamo atenção para o seguinte trecho do assento de óbito de Arthur:
Aqui a transcrição:
[…] de idade, lavrador, residente neste distrito de onde é natural, filho natural de Julinda Dias Guimarães, casado. Atestou o óbito o [Doutor …] e [será] sepultado no cemitério público desta cidade […]
É impossível desprezar o fato de que a mãe do falecido foi identificada no assento como Julinda Dias Guimarães e não mais como Julinda Dias Seabra. Teria, então, havido um casamento após o nascimento de Arthur? Se houve esse casamento, por que Julinda ainda foi identificada como Dias Seabra e como solteira em seu assento de óbito, visto abaixo?
Aqui a transcrição:
No dia 21 de janeiro de 1884, depois de encomendado, sepultou-se o cadáver de Julinda Dias Seabra, solteira, branca, na idade de 40 anos, falecida de hidropsia.
Os candidatos existentes, portanto, seriam mesmo Antônio e o padre Antônio Joaquim, porém o enigma da paternidade de Arthur permanecerá até que sejam encontradas novas fontes documentais.
José Araújo é linguista e genealogista.
3 comentários
Genealogia Prática - Trilha · 15 de dezembro de 2017 às 22:05
[…] Por quase um ano, avancei praticamente nada nos ramos maternos, em parte porque alguns de meus bisavós eram filhos naturais com sobrenomes aparentemente não relacionados aos de suas mães e avós. Apenas para citar um exemplo, o avô materno de minha mãe se chamava Arthur Rabello Guimarães, filho natural de Julinda Dias Seabra, filha natural de Eleutéria Rosa da Conceição. Sem registros de casamento, pode ficar complicado avançar nas gerações anteriores com confiança, em especial devido à existência de homônimos. Ainda não fui além nesse ramo, como já comentei em outro texto. […]
Genealogia Prática - Fauno · 14 de novembro de 2018 às 06:28
[…] termo de assento supracitado foi anteriormente apresentado aqui no blogue e diz respeito a Luís de Amaral (1711-1807), um antepassado paterno de seis gerações nascido em […]
Desfecho – Genealogia Prática · 17 de agosto de 2024 às 08:33
[…] um texto já antigo aqui no blogue apresentei o caso da busca da paternidade de meu bisavô materno Artur Rabelo Guimarães […]
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