Minha bisavó Theodora Maria da Conceição foi uma mulher afrodescendente, filha de Felipe Rangel e Maria Laurinda da Misericórdia – ou Maria Gaspar – e natural de Bananal de Itaguaí, hoje Seropédica, Rio de Janeiro. Como tudo mais nesse ramo de minha árvore materna, as informações têm sido encontradas com base em muita pesquisa documental, nem sempre frutífera, e com relevante auxílio da genealogia genética.

O facto de Theodora ser afrodescendente, por exemplo, foi por longo tempo uma simples conjectura em vista da identificação de seus filhos como ‘pardos’ nos registros paroquiais e civis. Essa conjectura tornou-se certeza quando pude convidar uma sua descendente direta para fazer um teste de DNA mitocondrial. Por esse teste se constatou a origem africana do ramo materno de Theodora, com provável origem em africanos escravizados em Angola e traficados para o Rio de Janeiro.

O nascimento de Theodora permanece um mistério. Sua certidão de casamento, lavrada em novembro de 1900, informa que ela teria 48 anos na época. Se considerarmos que ela teria ainda mais dois filhos depois do casamento – Oscar em 1901 (aos 49 anos) e Esmeralda em 1903 (aos 51 anos) -, o estranhamento não é improvável em vista dessas gravidezes em idade tão avançada para a época. Ou ela era, de facto, uma mulher muito saudável ou sua idade foi superestimada no ato matrimonial.

Sabemos que Theodora morava em Austin, Rio de Janeiro, com sua filha Esmeralda, quando esta se casou, em 1927, com José Antônio da Silva, mas esse registro nada informa de sua idade. Tal informação, no entanto, é apresentada no registro matrimonial de seu filho Adriano Pereira Belém, lavrado em Mendes, Rio de Janeiro, em 22 de junho de 1926. Nesse documento lê-se o trecho que apresento abaixo:

[…] Adriano Pereira Belém e dona Isaltina Vieira da Silva, ambos brasileiros, naturais deste estado, residentes neste distrito, de cor parda. Ele operário, nascido em Bananal de Itaguaí, aos dois dias do mês de março do ano de mil oitocentos e noventa e sete, contando nesta data vinte e nove anos de idade, filho legítimo de João Pereira Belém e Dona Theodora Maria da Conceição, ambos brasileiros, o primeiro já falecido em Queimados, município de Nova Iguaçu, no ano de mil novecentos e vinte e dois; a segunda residente em Nova Iguaçu, contanto nesta data sessenta e quatro anos de idade. […]

Segundo esse registro, minha bisavó teria 64 anos em 1926, o que sugere que tenha nascido em 1862. Essa data torna as gravidezes de Oscar (aos 39 anos de Theodora) e Esmeralda (aos 41 anos) menos improváveis do que o que se informa no registro matrimonial de meus bisavós. O assento de batismo de Theodora ainda não foi encontrado nos livros de São Francisco Xavier de Bananal de Itaguaí, o que sugere a possibilidade de ela haver sido batizada em outra freguesia ou, pior cenário, de algum livro ter sido perdido.

A genealogia de afrodescendentes costuma ser bem complexa em vista de limitações documentais. Para saber mais sobre esse tipo de genealogia e conhecer estratégias para desenvolvê-la, recomendo a leitura da obra Genealogia Afrodescendente.


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista

1 comentário

Tragédia – Genealogia Prática · 3 de maio de 2022 às 15:10

[…] Pedro Gomes de Moraes foi meu trisavô materno, mas Maria Pereira Ramos não foi minha trisavó, pois meu bisavô João Pereira Belém foi nomeado como filho natural de Joaquina da Conceição em sua certidão matrimonial de 1900. A identidade de seu pai seria revelada apenas no registro de dois filhos temporões – Oscar (1901) e Esmeralda (1903) – que João teve com minha bisavó Theodora. […]

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