Na pesquisa genealógica, é comum encontrar padrões em conjuntos de documentos que parecem apontar um parentesco entre as pessoas envolvidas. Esses padrões podem surgir, por exemplo, nos nomes dos padrinhos de batismo dos filhos de um casal. Assim foi com meus tios-avós maternos cujos assentos batismais foram encontrados. Em dois casos, pude observar algo que parecia apontar um padrão: ao menos um dos padrinhos parecia ter relação com determinada figura de poder da região onde viveram meus bisavós João Pereira Belém e Theodora Maria da Conceição – a freguesia de Bananal de Itaguaí, hoje Seropédica, no Rio de Janeiro.
No assento de minha tia-avó Maria Pereira Belém, nascida em 3 de agosto de 1894, declara-se que foram padrinhos José Antunes de Souza e Maria de Paula Moura Souza. Mediante pesquisa no FamilySearch, encontrei os registros de casamento civil e religioso de Maria de Paula com Álvaro Viana em 1909 em Nova Iguaçu, pelo que se confirma que ela teria nascido em 1882. Portanto, ela teria 12 ano quando foi madrinha de minha tia-avó Maria. Pelos registros também descobri que a jovem madrinha era filha de Manoel Antônio de Souza Filho e Adelaide Leopoldina de Moura Souza. Pesquisas anteriores já haviam confirmado que Manoel Antônio era o segundo marido de Adelaide, que antes fora casada com Leocádio Pamplona Cortes (1820-1869).
No assento de meu tio-avô João Pereira Belém, nascido em 5 de maio de 1881, declara-se que foram padrinhos Galdino Pereira Ramos e Dona Saloméa de Moura Cortes. Eis que a madrinha possui um sobrenome familiar e não por acaso, pois Saloméa, que faleceu solteira com 15 anos e 4 meses em 30 de março de 1883, era filha da mesma Adelaide Leopoldina de Moura, só que com seu primeiro marido, o já citado Leocádio Pamplona Cortes. Maria de Paula e Saloméa eram irmãs apenas pela parte materna, mas o nome de Leocádio torna a surgir como um padrão.
Leocádio era juiz de paz e já foi mencionado algumas vezes aqui no blogue, mas suas origens permaneciam nebulosas. Já havia sido encontrado um irmão seu chamado Domingos Pereira de Farias e, por meio deste, sabia-se que ambos eram filhos de João Pereira de Farias e Maria Amália das Neves, mas isso era toda a informação que se tinha. Um teste de DNA autossômico já havia apontado um parentesco meu com duas mulheres – mãe e filha – descendentes de José Leocádio Pamplona Cortes, filho do primeiro casamento de Leocádio com Carolina Maria de Jesus, esta filha de Fortunato Pereira Belém, portanto neta de Francisco Antônio Pereira Belém, patriarca da família que carrega esse sobrenome composto em Bananal de Itaguaí e Nova Iguaçu, o sobrenome de meu bisavô materno.
Na busca de mais informações sobre a filiação de Leocádio, fui ao Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, onde pude encontrar seu processo de casamento com Carolina Maria. O documento, bem sucinto, trata apenas da dispensa de consanguinidade desse casal, pois, como se declara, seus pais eram “irmãos legítimos”. O pai de Leocádio, como concluí, seria certo João Pereira Belém que já estava presente na árvore de minha família há bastante tempo. Eu apenas desconhecia que ele usava o sobrenome original da família de seu pai em Portugal – Pereira de Faria – e não a forma adotada por ele no Brasil – Pereira Belém – por razões ainda desconhecidas.
Abaixo apresento a imagem da introdução e a transcrição das justificativas que estão no processo de dispensa de consanguinidade que encontrei no arquivo da Cúria:
Dizem os oradores Leocádio Pamplona Cortes e Carolina Maria de Jesus, ambos naturais desde bispado e moradores na Fazenda do Mato do Rei da freguesia de Itaguaí, que eles se acham justos e contratados para se receberem em matrimônio, mas não o podem fazer por se acharem impedidos pelo parentesco que entre eles há de consanguinidade em segundo grau igual da linha colateral, do que suplicam a dispensa e apresentam as premissas seguintes:
– Que o finado pai do orador era irmão legítimo do pai da oradora;
– Que entre eles oradores não tem havido consórcio ilícito, mas que, pela frequência que tem o orador na casa do pai da oradora, pode perigar a sua honra, não se efetuando especialmente o seu consórcio, que já se acha público;
– Que neste lugar quase todas as famílias que por aí moram são entrelaçadas com parentesco e com dificuldade se achará um casamento [consignado] que não seja entre parentes;
– Que o orador já tomou conta da legitima que lhe pertenceu de seu finado pai que montará a cinco contos de réis em bens, terras e escravos e que a oradora não tem mais do que três escravos que lhe tocaram por morte de sua mãe;
– Que ambos são moços e o orador pode por isso sustentar o […] e os encargos do matrimônio portanto.
Essa descoberta jogou luz sobre alguns factos já conhecidos, sendo o primeiro deles os casamentos de Leocádio com várias mulheres da família Pereira Belém, que agora sabemos terem sido suas primas – provavelmente como estratégia para manter os bens dentro do grupo familiar. O segundo, a razão de uma afirmação encontrada no óbito de Pedro Cipriano Pereira Belém, pai Maria José Belém, filha de Pedro com minha tetravó Maria Tereza da Paz e também uma das esposas de Leocádio:
Aos oito dias do mês de agosto de 1860, foi encomendada a alma e […] sepultura, no cemitério da fábrica desta freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Bananal, ao corpo de Pedro Cypriano Pereira Belém, fluminense, solteiro, idade de sessenta e cinco anos […] mais ou menos, morador […] da freguesia de São Pedro e São Paulo. Faleceu em casa de Leocádio Pamplona Cortes, morador desta freguesia [aonde] recebeu os sacramentos da [hora] da morte. Do que para constar firmo este assento que assino.
Ora, se Pedro Cipriano faleceu na casa de seu ex-genro e, agora sabemos, sobrinho, deduzimos que, em seus momentos finais, ele estava entre familiares muito próximos. Esses padrões factuais – documentais e genéticos – em torno da figura de Leocádio Pamplona Cortes sugerem que a origem do sobrenome de minha família materna pode estar em um dos núcleos familiares relacionados a ele.
José Araújo é genealogista.