Outra atividade a que me dedico além da pesquisa genealógica são os guiamentos turísticos pelo centro histórico da cidade do Rio de Janeiro. O que pouca gente sabe é que foi a pesquisa genealógica que me levou a essa atividade. Tudo começou quando descobri no ramo materno de minha árvore familiar muitos personagens que tiveram participação na história da cidade, em especial na sua parte mais antiga, que era o quadrilátero contido entre os morros do Castelo – demolido em 1922 – , de São Francisco – parcialmente demolido na década de 1960 – , de São Bento e da Conceição. O morro da Conceição, por exemplo, tem hoje metade de seu perímetro percorrido em meu guiamento mais frequente, que tem relação com a história da região da Pequena África. O morro de São Bento, por outro lado, por uma questão de logística, é apenas citado nesse guiamento. Mal sabia eu que… Mas vamos por partes.

A história da ocupação inicial desse morro remonta aos primeiros anos da ocupação do território reconquistado dos franceses por Estácio de Sá. Após a batalha em que este faleceu por uma flechada, a cidade que então existia, desde março de 1565, apenas como uma paliçada na Praia de Fora, que hoje fica dentro do Forte de São João, no bairro da Urca, foi transferida para uma área mais segura e que oferecia boa visibilidade da entrada da Baía de Guanabara. Essa área era o Morro do Descanso, que depois ficou conhecido como Morro do Castelo. Nesse morro foram erguidos, a partir de 1567, os principais prédios administrativos – casa de câmara e cadeia, casa do governador – , bem como o colégio e a igreja dos jesuítas, ordem que muito colaborou na reconquista do território.

Entre os colaboradores na batalha contra os franceses estava o cidadão Manoel de Brito de Lacerda. Já em 1567, Manoel ocupou um terreno abaixo do Morro do Castelo, numa porção do litoral que era conhecida como praia Arqueada e depois ficou conhecida como praia de Manoel de Brito. Manoel e sua esposa Maria de Oliveira receberam a posse do terreno em 27 de julho de 1568. O local foi depois conhecido como praia de São Bento e, finalmente, cais dos Mineiros, nome que manteve até o século XIX, como se vê na fotografia abaixo.

Cais dos Mineiros – Marc Ferrez (ca. 1880) – Coleção IMS

Nas terras que couberam a Manoel e depois a seu filho Diogo existia uma colina. Segundo o costume da época, essa colina ficou conhecida como Morro de Manoel de Brito. Nele alguns moradores já haviam erguido uma capelinha, mas em 1582 o militar e vereador Aleixo Manoel e sua mulher Francisca da Costa pediram permissão a seu parente Manoel de Brito para erguer uma ermida maior e dedicada a Nossa Senhora da Conceição. O pedido foi atendido, pelo que o morro passou a ser conhecido como Morro da Conceição.

Moradores da cidade, desejosos pela convivência com os beneditinos, que já estavam estabelecidos na Bahia desde 1581, pediram ao fundador do mosteiro dessa ordem em Salvador para enviar monges que fundassem um mosteiro na urbe carioca. E tiveram seu pedido atendido: entre 1586 e 1589 chegaram na cidade frei Pedro Ferraz e frei João Porcalho. Eles ficaram hospedados na ermida de Nossa Senhora do Ó, que existiu onde hoje fica a Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo, diante do Paço Imperial. Mais tarde, eles optaram por um lugar mais ermo e silencioso para fundar o mosteiro: justamente o Morro da Conceição, onde estava a ermida erguida por Aleixo Manoel e sua esposa.

Os frades pediram e tiveram permissão de Aleixo para ocupar a ermida, o que apenas foi ratificado em escritura pública em maio de 1596, como lemos a seguir. E por ela descobrimos que o casal doou bem mais do que apenas os bens religiosos localizados na colina.

Escritura de consolidação da doação da capela de Nossa Senhora da Conceição e dos bens da irmandade de Nossa Senhora da Conceição que fazem Aleixo Manoel, o velho, e sua mulher Francisca da Costa, ao Mosteiro de São Bento – bens que compreendem meia légua de terras de testada e légua e meia de sertão, sitas à margem do rio Saracuruna, e dez vacas parideiras com suas crias. Essas terras corriam de uma banda com as do então falecido Manuel de Albernaz e, da outra, com terras de Domingos Machado e sua mulher Ana Rodrigues, que também doaram aos beneditinos, por escritura da mesma data, mais légua e meia de testada. // Nesse mesmo dia Manuel de Brito e sua mulher Dona Maria de Oliveira doam aos beneditinos a sua sesmaria.

Os beneditinos receberiam ainda muitas mais doações dos cariocas, entre elas terras que depois comporiam a grande Fazenda Iguaçu, da qual surgiram os municípios da Baixada Fluminense. A ermida de Nossa Senhora da Conceição não existe mais. Em seu lugar está hoje a belíssima igreja de Nossa Senhora de Montserrat, que pode ser visitada diariamente, mas é mais conhecida pela concorrida missa dominical cantada em latim ou canto gregoriano.

Igreja de Nossa Senhora de Montserrat (acervo do autor)

Aleixo Manoel foi um homem importante na cidade e viveu no local conhecido como Desvio do Mar. Esse logradouro acabou sendo chamado Rua de Aleixo Manoel até que lá habitasse, na segunda metade do século XVIII, Francisco Berquó da Silveira, o ouvidor-mor da cidade. No século XIX, já conhecido como Rua do Ouvidor, era um logradouro famoso por suas livrarias, cafés e modistas francesas, uma das quais se tornaria amante do imperador Pedro I, mas isso é outra história. O filho homônimo de Aleixo, que ficou conhecido como o moço, prestou depoimento no processo do padre Anchieta, com quem conviveu na cidade do Rio de Janeiro. Em seu depoimento, ele declarou:

50 – Aleixo Manoel (ouvido [na cidade do Rio de Janeiro] a 31 de agosto de 1627), capitão de Infantaria desta cidade, dela natural, com cerca de 50 anos de idade, filho do Capitão Aleixo Manoel, já falecido, e de Francisca da Costa. Conheceu-o [o padre Anchieta] nesta cidade, quando ia e vinha a ela, por espaço de 8 anos, e isto de 38 anos a esta parte. Ouvira falar na Bahia e no Rio das Caravelas da sua santidade. Sendo moço, de 12 anos, pouco mais ou menos, andando na escola, ouvira seus sermões e o viu levantado do chão, em êxtase.

Descenderam de Aleixo Manoel (pai e filho) os sete filhos de Fernando Muniz Barreto e Maria Machado, de quem tratei em texto anterior. Minha avó materna Durvalina descende de uma das filhas do casal cuja identidade ainda segue desconhecida, mas de quem se sabe que foi casada com João Veloso de Carvalho.


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista

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