Das diversas formas de resistência empreendidas pelos africanos escravizados e seus descendentes ainda não libertos no Brasil, as fugas foram sempre as mais frequentes e ocorreram durante toda a vigência do regime escravocrata. Os aquilombamentos – do quimbundo kilombo, que significa acampamento, união – foram também muito frequentes, e os quilombos variavam em tamanho, localização e até atividade econômica a que se dedicavam, tendo havido registros de alguns que sobreviviam do aluguel de mão de obra aos fazendeiros locais. Além dessas formas de resistência muito frequentes, inúmeros escravizados urbanos processaram seus senhores nos tribunais por maus-tratos ou por descumprimento de promessas de libertação. Finalmente, houve ainda casos de escravizados que assassinaram seus senhores, pelo que se livraram dos sofrimentos das lavouras e esperavam contar com a possibilidade de perdão do imperador.
Os quilombos, especificamente, tinham tamanhos e características diversos e acordo com a região onde se estabeleciam, pelo que se pode afirmar que tenha sido um fenômeno complexo e diverso. Palmares – o maior e dos mais duradouros deles – não seria diferente. Nem era um quilombo único, mas uma “confederação de dezoito mocambos espalhados por uma vasta área que se estendia da região do Cabo de Santo Agostinho, ao sul do Recife, até o curso inferior do rio São Francisco, atual divisa de Alagoas com a Bahia”, segundo afirma Laurentino Gomes no primeiro volume da trilogia Escravidão. O que se sabe sobre Palmares dá conta de apenas parte da história desse quilombo, pois:
A documentação histórica sobre Palmares é relativamente escassa. Inclui diários de campanha militares […] trocas de cartas entre autoridades coloniais e a Coroa portuguesa, memórias e depoimentos de oficiais, soldados e moradores da região – e tudo sempre do ponto de vista dos brancos. Nada se sabe a partir de depoimentos ou relatos dos próprios quilombolas, o que torna impossível saber com certa precisão quem eram eles, o que pensavam, como agiam ou como se comportavam. […] Acredita-se que tenha começado com a fuga de algumas dezenas de escravos de um único engenho no sul de Pernambuco no final do século XVI. _ Escravidão Volume 1: do primeiro leilão de cativos em Portugal até Zumbi dos Palmares.
Acredita-se que esse emblemático quilombo tenha sofrido mudanças tanto na composição dos grupos étnicos de africanos escravizados que nele buscaram abrigo e resistiram quando nas crenças religiosas que mantiveram. As pessoas que para lá fugiram sobreviveram dos produtos que plantaram e dos animais que criaram. Parte de sua produção era trocada ou vendida para compra de armas e munições que garantiriam sua defesa contra as incursões da Coroa portuguesa que tentaram destruir suas ocupações e reescravizá-los.
A destruição de Palmares só ocorreu no século XVIII por ação do coronel, mestre de campo e bandeirante Domingos Jorge Velho (1641-1705), natural de Santana de Parnaíba, São Paulo, contratado pelo governador da capitania de Pernambuco para dar cabo do quilombo. Descrito pelo bispo de Olinda como “um dos maiores selvagens com que tenho topado”, Domingos vivia da captura e matança de nativos e se comunicava em tupi-guarani, como era comum entre os paulistas até o século XVIII. Os relatos dão conta de que venceu os aquilombados pelo cansaço e pela fome, evitando o confronto direto.
Domingos era filho de Francisco Jorge Velho (1602-1684) e Francisca Gonçalves, neto de Simão Jorge e Francisca Álvares Martins, bisneto de Agostinha Rodrigues Velho e outro Simão Jorge e trineto da cristã-nova Izabel Velho e seu marido Garcia Rodrigues, meus tridecavós, que estavam entre os primeiros habitantes de São Vicente, São Paulo. Ter antepassados coloniais é garantia de encontrar, por vezes no mesmo ramo da árvore de família, o escravizado e o senhor de escravos, o cristão-novo e o familiar do Santo Ofício.
José Araújo é genealogista.