A busca da história de nossos antepassados escravizados ainda engatinha no Brasil, mas já é bem avançada nos Estados Unidos, onde a empresa African Ancestry dedica-se à análise do DNA de seus clientes para tentar identificar a que grupos étnicos atuais poderiam estar relacionados seus antepassados capturados pelo tráfico transatlântico. Sei que ambas as avós de minha mãe eram afrodescendentes segundo resultados de testes de DNA mitocondrial meu e de uma prima dela – portanto também prima minha – feitos com a empresa FamilyTreeDNA. Theodora Maria da Conceição, a avó paterna de minha mãe, era do haplogrupo L1c1b; Argemira Pereira da Silva, sua avó materna, era do haplogrupo L1c2a3b. Mas a quais grupos étnicos esses haplogrupos poderiam corresponder?
O haplogrupo L1c apresenta-se hoje distribuído na África com maior concentração entre Camarões e a República Centro-Africana, mas também alcança Angola mais ao sul. Pela evolução do tráfico transatlântico, essas origens poderiam corresponder tanto à segunda quanto à terceira rota de comércio de escravizados. Mas essas rotas foram definidas a partir de portos de embarque que frequentemente estavam a centenas de quilômetros das áreas onde as pessoas eram capturadas. O conhecimento das rotas, portanto, não basta para identificação precisa da origem regional e étnica da antepassada de um afrodescendente.
Mesmo ciente dessas questões históricas e das limitações que elas ocasionariam, decidi confiar à African Ancestry a análise dos dados brutos mitocondriais – arquivos FASTA, disponíveis no FamilyTreeDNA – do teste de minha prima já citada e de meu próprio teste. O resultado saiu em duas semanas e, segundo essa empresa, eu e minha prima temos muito em comum com os Ticares, que hoje vivem em Camarões. Segundo testagem genética, também descendem dos Ticares o produtor musical Quincy Jones, o diretor de cinema Spike Lee, a ex-secretária de Estado Condoleezza Rice e a comediante Wanda Sykes, todos norte-americanos.
No Brasil, a African Ancestry colaborou com um projeto que realizou a testagem de DNA de 150 afrodescendentes, o que resultou na produção do documentário Brasil: DNA África. Um dos participantes desse projeto, também descendente dos Ticares, teve a oportunidade de conhecer a terra de seus ancestrais na África. O documentário está disponível no YouTube em versão com baixa qualidade, mas considero importante assistir a ele.
O resultado apresentado pela African Ancestry dá conta apenas da herança matrilinear de minha mãe e sua prima, mas a comparação exibida no gráfico abaixo informa que pessoas escravizadas em outras regiões africanas e oriundas de vários outros grupos étnicos afetados pelo tráfico transatlântico entraram na composição do DNA autossômico de nossa família. Essa comparação sugere o quão poderosa e lucrativa foi a empresa do comércio de gente que existiu por mais de 300 anos.
José Araújo é genealogista.