Lembrei que minha mãe dizia ter parentes em Angola. Fui a última filha a casar e sair de casa. De vez em quando, comentávamos sobre o passado. Parece que minha avó comentava com ela. Eu lembro que quando aparecia na tv alguma reportagem, ela ficava no assunto. […] Que tinha primos lá, mas não conhecia. Eu lembro que minha avó nos visitava muito! Ela e a esposa do filho mais novo, que só lembro o apelido […] Parece que estou vendo elas em minha casa. Minha avó usava saias rodadas com elásticos na cintura, como as saias das baianas.
Recebi esse relato de Sonia, uma prima materna que muito me ajuda nas pesquisas e descobertas relativas a esse ramo de nossa família, em que há um forte componente afrodescendente. A mãe de Sonia era sobrinha de meu avô Enéas Pereira Belém (1848-1970) – filha de sua irmã Maria Pereira Belém (1894-1973) – e carinhosamente conhecida como Chindonga. Sempre ouvi minha mãe e minhas tias se referirem a ela dessa forma, portanto fiquei surpreso quando soube que seu nome de batismo era Nady.
O apelido Chindonga, revelou Sonia, teria sido herdado de uma mulher mais velha. Penso ter descoberto prova dessa herança em um obituário publicado em jornal da cidade onde vivia nossa família, sem, contudo, ter obtido provas de que houvesse algum parentesco entre a senhora falecida e a mãe de Sonia. Há algum tempo descobri que o termo Xindongo tinha relação com povos de Angola, razão por que o relato acima parece ter algum fundamento, embora as complexidades do tráfico transatlântico não nos permitam fazer nenhuma afirmação definitiva.
Faz alguns anos, Suely, uma das irmãs de Sonia, aceitou fazer um teste de DNA mitocondrial, pelo qual se confirmou que nossa bisavó Theodora Maria da Conceição (1861-1927) descendia em linha direta de uma mulher que deve ter sido escravizada em algum momento durante os trezentos anos do tráfico transatlântico. Recentemente, submeti o resultado do teste de Suely à análise da empresa African Ancestry, especializada na identificação dos grupos étnicos originais dos descendentes de africanos escravizados pelo tráfico. Essa análise sugere que uma de nossas antepassadas em linha matrilinear pertenceria à etnia Ticar, que hoje ocupa o território de Camarões, mas também se encontra em Angola.
Relatos como o oferecido por Sonia podem ter um valor imenso se devidamente confrontados com evidências documentais e genéticas, mas nem sempre fornecem provas definitivas. Ainda assim, eles devem ser buscados sempre que possível. Neste exato momento, pessoas que talvez possam contribuir com relatos sobre sua família que ajudem a resolver um ramo mal desenvolvido de sua árvore podem estar começando a se esquecer do passado. Fazer contato com elas e manter esse contato regular é não apenas uma forma de manter viva a memória familiar mas também uma forma de cuidado e uma expressão de amor.
José Araújo é genealogista.