Desde que Portugal promulgou a Lei Orgânica nº 1/2013 e o Decreto-Lei 30-A/2015, brasileiros de toda procedência começaram uma busca para comprovar a ascendência em um judeu português que viveu entre os séculos XV e XVIII e que foi ou perseguido e condenado a se converter ao catolicismo ou, quando renitente à conversão, fugiu do território português ou foi dele expulso. Desde já adianto que é uma busca exaustiva que pode se revelar frustrante.
Afirmo que a busca pode ser frustrante por dois motivos:
- porque exige conhecimentos e estratégias de pesquisa e documentação que a maior parte das pessoas desconhece;
- porque pode, em algum momento, exigir recursos financeiros para contratação de um especialista que desate os nós da pesquisa genealógica, o que pode custar caro.
Para cada motivo acima, existe uma sugestão ou orientação:
- Conhecimentos e estratégias de pesquisa e documentação conquistam-se pelo estudo e pela observação, portanto recomendo a leitura de obras sobre genealogia, o estudo formal em cursos e a participação em grupos dedicados ao tema;
- Contratação de especialistas é algo que só se deve fazer quando a pesquisa pessoal avançou até o limite do conhecimento e da experiência próprios e sabe-se que pode haver algo valioso além, mas só um genealogista experiente poderá alcançar.
Mesmo com todo estudo e a disponibilidade de recursos financeiros, pode não haver, no início da busca, mesmo a menor garantia que se encontrará um tal ancestral judeu. No pior cenário, a busca resultará improdutiva pela inexistência desse ancestral.
Não quero desestimular ninguém, sou realista, portanto não recomendo o embarque na aventura da busca sem que se esteja imbuído da vontade e da energia para aprender e para trabalhar arduamente. E é também por ser realista que deixo as seguintes orientações quanto ao que não levar em conta para começar a busca que será inevitavelmente exaustiva:
- Traços físicos: a miscigenação foi muito grande no Brasil, portanto brasileiros podem ter cores de olhos e cabelo e formatos de nariz os mais diversos, apenas para citar alguns exemplos, sem que necessariamente indiquem uma origem étnica;
- Costumes familiares: costumes dos antigos podem ter sido absorvidos pela cultura geral sem que estejam vinculados a uma origem étnica específica;
- Sobrenomes: listas de sobrenomes supostamente judaicos encontradas no Facebook ou em blogues são inúteis, pois os judeus portugueses adotaram sobrenomes já existentes entre os portugueses para escapar de perseguições;
- Árvores: a genealogia feita apenas com matches de árvores públicas encontradas no FamilySearch, sem a devida comprovação por documentos, é inútil para comprovação de qualquer ascendência;
- Onomástica: sobrenomes de família atuais costumam ser muito distintos dos sobrenomes dos ancestrais, portanto um eventual ancestral judeu certamente terá um sobrenome totalmente diferente do seu, dos seus pais, avós e até bisavós;
- Listas nominais: listas contendo nomes de pessoas condenadas pelo Santo Ofício podem conter nomes de pessoas condenadas por outros motivos que não as práticas judaizantes e mesmo aquelas que contenham apenas estes casos só serão úteis se fornecerem mais informações (locais e datas) além dos nomes, pois os judeus acusados poderiam ser homônimos de seus contemporâneos cristãos velhos.
Sou frequentemente surpreendido por perguntas em grupos do Facebook que revelam desconhecimento das questões que essas orientações abordam, por isso, ainda que elas não apresentem de facto nenhuma novidade, talvez seja útil repeti-las.
José Araújo é linguista e genealogista.
1 comentário
Persistência – Genealogia Prática · 13 de janeiro de 2021 às 07:46
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