Mais de 92 milhões de pessoas (45,3% da população) entrevistadas pelos recenseadores no censo de 2022 se identificaram como pardas, reconhecendo dessa forma que descendem de povos originários – indígenas e africanos. O termo pardo originalmente dizia respeito apenas a pessoas que fossem mestiças de brancos e africanos e, se levarmos em conta que a população brasileira sempre foi majoritariamente composta de pessoas de origem africana – foram elas que movimentavam a economia colonial e imperial – , temos de admitir que o povo brasileiro descende majoritariamente de africanos escravizados e, como discuto a seguir, de diversas etnias.

Há alguns anos tenho dedicado minha pesquisa à pesquisa sobre meus antepassados africanos, mas a busca documental invariavelmente terminou em uma via sem saída. Graças à popularização dos testes de Genealogia Genética, no entanto, pude descobrir que minha família materna tem uma composição africana bastante variada. E isso seria esperado, pois, nos trezentos anos que durou o tráfico transatlântico, foram trazidas para o Brasil pessoas de quase todas as regiões da África. Depois, com a proibição do tráfico entre África e Américas, passou a vigorar o tráfico interno, pelo que africanos e descendentes que já estavam no Brasil eram vendidos para outras regiões segundo a demanda por mão de obra.

Assim foi que escravizados oriundos da Costa da Mina que estavam na Bahia foram vendidos para Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, devido à necessidade de mão de obra para a mineração no século XVIII e, com seu término, para o cultivo do café no Vale do Rio Paraíba no século XIX. No Sudeste, por sua vez, já havia escravizados oriundos de Angola e Congo (oeste africano) e Moçambique (leste africano). Não por acaso, é essa a composição que encontro em meu DNA autossômico – África Ocidental (12%), Leste (5%) e Costa da Mina (4%) – e no de uma prima materna de primeiro grau – Costa da Mina (16%), Leste (6%), Oeste (<2%). As diferenças nos percentuais se devem às características da herança do DNA, que geralmente comparo a uma loteria.

Ancestralidade Global

Saber a composição, no entanto, não resolve a questão de identificar quais de meus antepassados foram trazidos de qual parte da África, quando e a que etnia pertenciam. Talvez eu nunca consiga responder essa questão, mas persisto. E foi graças a essa persistência que recentemente encontrei, entre os matches autossômicos do teste dessa prima citada, a correspondência genética (match) com uma jovem africana natural de Luanda e cujo nome não vou mencionar aqui. A jovem é estudante no Brasil e revelou que também fizera o teste por curiosidade sobre seus antepassados, que eram naturais “da província (Estado) de Malanje” e falantes da língua quimbundo. Segundo ela revelou, seus avós viveram “o tempo da escravidão” e depois as guerras em Angola. Essa descoberta me fez lembrar da história de uma prima cuja mãe tinha o curioso apelido de Chindonga, que talvez seja uma palavra da língua quimbundo.

O surgimento de mais matches como esse poderá trazer mais informações sobre meus antepassados africanos. Seria interessante que houvesse mais curiosidade sobre os antepassados e que as escolas estimulassem essa curiosidade, pois assim talvez conseguíssemos começar a contar a história dessas pessoas que sofreram as piores agruras para que a economia do Brasil colonial e imperial pudesse prosperar.


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista