João de Godoy Moreira […] foi um cidadão que teve em S. Paulo sua pátria […] Foi abundante em cabedais e possuía uma fazenda de cultura onde as vinhas lhe davam vinho com fartura. Foi casado com Euphemia da Costa Motta, natural de S. Vicente, irmã do capitão-mor de Itanhaém, Vasco da Motta, e do reverendíssimo padre Antônio Raposo, pároco colado da igreja da vila de S. Vicente, da qual tomara posse em 1611.

In: LEME, Luiz Gonzaga da Silva. Genealogia Paulistana.

João de Godoy foi pai de Gaspar de Godoy Collaço (?-1713), que se casou com Sebastiana Ribeiro (1662-?), da longa linhagem dos Moraes. João e Sebastiana foram os pais de Maria Pedroso de Moraes, que foi avó de Maria Cândida da Cunha Ataíde, que se casaria com o alferes Francisco Joaquim de Andrade, sobre quem lemos o seguinte na obra Dois Séculos dos “Andrade” (1984), de Ormi Andrade Silva e José Gomide Borges.

O Alferes Francisco Joaquim de Andrade adquiriu sesmaria de meia légua em quadra (225 alqueires) no córrego Das “Duas Barras”, vertentes ao rio Tanque, em 31 de maio de 1820, mas aí já era morador desde 1808. Residiu a princípio em Antônio Dias passando para a fazenda do Ribeirão do Bom Sucesso”, hoje Gaspar. A fazendas das Duas Barras, onde faleceu sua esposa Dona Maria Cândida, foi sucessivamente propriedade do Comendador Francisco de Paula Andrade, passando a seus herdeiros, entre eles Adolfo de Andrade Horta […]

Um neto do alferes chamado Elias (1835-1902), filho de Francisco José de Paula Andrade (1798-1870), casou-se com Rosa Amélia da Silveira Drummond. Desse casal nasceria Carlos de Paula (1860-1931), que se casou com outra Drummond – Julieta Augusta – e com ela teve Carlos (1902-1987), que entrou para posteridade como um dos maiores poetas brasileiros.

Estátua de CDA na orla de Copacabana, Rio de Janeiro

Meu avô materno também descende dos Moraes e é primo de oitavo grau do poeta pelo ramo dos Godoys, um parentesco distante, mas que causa grande orgulho. Em reflexão sobre essa descoberta, trago aqui o poema Retrato de Família, publicado em A Rosa do Povo (1945), em que faço meu destaque:

Retrato de família
Carlos Drummond de Andrade

Este retrato de família
está um tanto empoeirado.
Já não se vê no rosto do pai
quanto dinheiro ele ganhou.

Nas mãos dos tios não se percebem
as viagens que ambos fizeram.
A avó ficou lisa e amarela,
sem memórias da monarquia.

Os meninos, como estão mudados.
O rosto de Pedro é tranquilo,
usou os melhores sonhos.
E João não é mais mentiroso.

O jardim tornou-se fantástico.
As flores são placas cinzentas.
E a areia, sob pés extintos,
é um oceano de névoa.

No semicírculo das cadeiras
nota-se certo movimento.
As crianças trocam de lugar,
mas sem barulho: é um retrato.

Vinte anos é um grande tempo.
Modela qualquer imagem.
Se uma figura vai murchando,
outra, sorrindo, se propõe.

Esses estranhos assentados,
meus parentes? Não acredito.
São visitas se divertindo
numa sala que se abre pouco.

Ficaram traços da família
perdidos no jeito dos corpos.
Bastante para sugerir
que um corpo é cheio de surpresas.

A moldura deste retrato
em vão prende suas personagens.
Estão ali voluntariamente,
saberiam — se preciso — voar.

Poderiam sutilizar-se
no claro-escuro do salão,
ir morar no fundo dos móveis
ou no bolso de velhos coletes.

A casa tem muitas gavetas
e papéis, escadas compridas.
Quem sabe a malícia das coisas,
quando a matéria se aborrece?

O retrato não me responde.
ele me fita e se contempla
nos meus olhos empoeirados.
E no cristal se multiplicam

os parentes mortos e vivos.
Já não distingo os que se foram
dos que restaram. Percebo apenas
a estranha ideia de família

viajando através da carne.


José Araújo é genealogista.